Controle biológico da cigarrinha-das-raízes mais eficaz

agosto de 2019

Novo método de aplicação de Metarhizium anisopliae para o controle da cigarrinha na cana-de-açúcar.
Devido ao intenso trânsito de mudas utilizadas na expansão das novas regiões produtoras de cana-de-açúcar no país, ocorrido nas últimas décadas, sem os devidos cuidados fitossanitários, a cigarrinha-das-raízes, Mahanarva fimbriolata, encontra-se disseminada por todos os estados canavieiros do Brasil.

A praga apresenta ciclo, de ovo a adulto, de aproximadamente 70 dias, variando de acordo com a temperatura, ocorrendo somente em condições de excedente hídrico. Por essa característica, normalmente, M. fimbriolata apresenta apenas três gerações por ano, restritas ao período chuvoso, ocorrendo o fenômeno da “diapausa” (quiescência) dos ovos colocados pela terceira geração, que permanecem latentes até as condições ambientais se tornarem adequadas para a eclosão das ninfas.

O aumento dos canaviais colhidos mecanicamente, com a manutenção da palhada sobre o solo, trouxe inúmeros benefícios, tanto do ponto de vista ambiental quanto agrícola, como a manutenção da umidade e redução da temperatura do solo, aumento nos teores de matéria orgânica, menor emissão de poluentes atmosféricos, entre outros. No entanto, com a adoção dessa nova tecnologia, perdeu-se um importante agente de controle cultural de pragas, principalmente da cigarrinha-das-raízes, que além de não ter grande parte dos seus ovos destruídos pelo fogo, ainda passou a encontrar condições excelentes para o seu desenvolvimento sob a palhada.

Nesse novo panorama, em regiões com condições ambientais adequadas, a cigarrinha vem adquirindo rapidamente o status de praga-chave, ocasionando perdas que podem variar, dependendo do número de ninfas por metro linear de sulco e da variedade atacada, de 25 a 100%, caso não ocorra o controle adequado e pontual, antes do estabelecimento da segunda geração.

Uma das táticas de controle mais importantes é a utilização do fungo-verde, Metarhizium anisopliae, no controle de ninfas da cigarrinha. Esse fungo é aplicado na forma líquida, com ou sem óleo, ou granulada, com tratores ou aviões, em doses variando de 4 a 10 Kg de arroz mais fungo por hectare.

Em algumas áreas ou em alguns anos, a diminuição da população da cigarrinha, após a aplicação do fungo, tem demorado e alguns agricultores passaram a ficar insatisfeitos com o controle biológico.

A tática biológica envolvendo o fungo é eficaz e é a única, atualmente, que não tem ou tem mínimo impacto sobre os demais organismos do agroecossistema, além de não causar poluição ou contaminação de lençóis freáticos, rios, solo e do próprio trabalhador rural. Quais seriam, então, os fatores responsáveis pela demora no controle da praga em alguns momentos?

Em primeiro lugar, é preciso entender que micro-organismos entomopatogênicos (que causam doenças em insetos) necessitam da presença da praga no momento da aplicação. Apesar disso, eles conseguem sobreviver, na ausência da praga, sobre a matéria orgânica no solo. Pesquisas atuais desenvolvidas no Instituto Biológico demonstraram que essa sobrevivência persiste por mais de um ano, servindo de inóculo para o controle natural da praga nos anos seguintes após a aplicação continuada do fungo.

Esses micro-organismos, em especial o fungo em questão, também necessitam de condições favoráveis para a atuação no campo. A aplicação de M. anisopliae precisa ser realizada no final do dia ou em períodos nublados, pois a radiação ultravioleta atmosférica é prejudicial ao desenvolvimento inicial do patógeno. A umidade noturna (orvalho) e temperaturas mais amenas são condições que favorecem a penetração do fungo no tegumento da praga. A aplicação em período de chuvas também é necessária, pois essa é a condição ideal para a atuação do fungo.

Portanto, o fungo M. anisopliae precisa ser aplicado no final do dia ou em dias nublados, em período de alta umidade e quando as ninfas da cigarrinha estiverem presentes. A quantidade de ninfas bem desenvolvidas (grandes) deve ser superior a de ninfas mais novas (pequenas), expondo ao fungo quase a máxima quantidade de indivíduos da geração.

Para aplicação em via líquida deve-se proceder a lavagem do produto (arroz + fungo) e sua filtragem, permanecendo os conídios em suspensão na água de lavagem. No caso das outras formulações basta misturar o produto em água em tanques de pré-mistura e realizar a aplicação. Para esse tipo de aplicação são utilizados pulverizadores com jato dirigido à base da planta, local onde é encontrada a maioria das ninfas. A dose recomendada para essa aplicação é de 2 a 6 kg do produto (arroz + fungo) por hectare. Pode-se ainda realizar a aplicação da suspensão com o uso de aviões agrícolas, porém essa prática é desaconselhada, pois, a menos que ocorra uma chuva entre a aplicação e o surgimento do sol, a maior parte do material será perdida pela exposição aos raios ultravioleta. Um inconveniente da aplicação via líquida é que os conídios, ao entrarem em contato com a água da lavagem, iniciarão seu processo de germinação e, caso não atinjam um substrato adequado ao seu desenvolvimento (inseto ou matéria orgânica do solo) logo morrerão, não realizando o controle satisfatório da praga.

Acredita-se que a aplicação sólida ou granulada do produto comercial (arroz + fungo) seja mais interessante, em comparação à aplicação via líquida, por que o fungo aplicado dessa forma dispõe do arroz para a sua sobrevivência, até atingir a cigarrinha. Para essa aplicação, até o momento existiam duas possibilidades: a aplicação com avião agrícola, utilizando-se o equipamento conhecido como “pé-de-pato” e a aplicação com o equipamento elaborado pelo Dr. Artur Mendonça e colaboradores, conhecido como “granuladeira Biotech”.

O uso do avião, apesar de apresentar um grande rendimento e possibilitar a aplicação sobre canaviais de qualquer idade, conta com o inconveniente de realizar a aplicação em área total, sendo reduzida a quantidade de produto que atinge o alvo, situado na base da planta. Por isso que necessita de maior quantidade de produto. Ainda, esse método está restrito a aplicações durante o dia, reduzindo os períodos de condição ideal para a aplicação do fungo.

A “granuladeira Biotech” superou o inconveniente da aplicação em área total realizando a aplicação do produto de forma localizada, diretamente sobra a base das plantas, porém, apresenta baixo rendimento. Por se tratar de uma adaptação sobre tratores ou trâmpulos, não oferece segurança para aplicações noturnas, momento ideal para a boa atuação do fungo.

Recentemente, observações de equipamentos de aplicação dirigida de fertilizantes granulados em funcionamento, levaram à hipótese de que essas máquinas seriam adequadas à aplicação granulada de arroz + fungo. Foram, então, realizados ensaios de campo que permitiram concluir que, de fato, o equipamento serviria para esse tipo de aplicação. Porém, o equipamento em questão, um “Uniport NPK 3000” da Jacto, apresenta o limite inferior de sua regulagem na dose de 15 kg/ha, o que está bem acima da dose recomendada para aplicações granuladas, de no máximo 10 kg/ha. Dessa forma, foram necessárias algumas adaptações e cálculos durante a regulagem que permitiram que o equipamento aplicasse a dose pretendida.

Para aplicação de M. anisopliae granulado, o “Uniport NPK 3000” apresentou uma capacidade de carga de até 1.500 kg, com autonomia de até 13 horas e rendimento de até 12,5 ha h-1. Sem danificar a cultura, o equipamento trabalha em canaviais de até 1,4 m de altura de palmito. A aplicação em canaviais desse porte confere ao fungo proteção contra a radiação ultravioleta, pois a barra pode ser regulada para que a saída do material se dê sob o dossel da cultura. O equipamento permite aplicações noturnas e sob chuva, desde que o solo não esteja encharcado, sendo essas as melhores condições para o estabelecimento do fungo. A deposição do material, além de ser mais dirigida, ainda proporciona sua colocação sob a palhada, devido ao sistema de indução ocasionada por uma turbina que produz um jato de ar.

Além de técnica e agronomicamente viável, a operação mostrou-se viável economicamente, sendo realizada com custo bastante inferior ao da aplicação através de aviação agrícola.

Surge uma nova forma de aplicação de fungos em canavial, aumentando a eficácia dessa importante tática de controle sustentável e moderna.

(artigo publicado na edição n.1 da Revista de Controle Biológico Gebio, 2014)


Guilherme dos Reis Vasconcelos

Alexandre de Sene Pinto

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