Usamos uma concentração de conídios de Metarhizium anisopliae muito maior do que a necessária para controlar as cigarrinhas em cana-de-açúcar, mas ainda é cedo para mudar isso antes que as estratégias de aplicação de produtos microbiológicos evoluam.
Por Alexandre de Sene Pinto, Occasio, 13 de maio de 2020.
O uso do fungo entomopatogênico Metarhizium anisopliae já é consagrado para o controle de diversas pragas no Brasil. A grande maioria dos bioprodutos comerciais hoje aplicam formulações com os conídios do fungo como princípio ativo. Os conídios ou conidiosporos são esporos da reprodução assexuada dos fungos, livres (não estão fechados dentro de um invólucro), e que permitem a perpetuação do fungo no ambiente, possibilita grande dispersão e a sobrevivência frente às condições ambientais adversas.
A tecnologia de aplicação desses bioprodutos à base de conídios de Metarhizium precisa ser bem conhecida para um bom uso no campo. Algumas das necessidades de uma aplicação são:
- realizar em dias com umidade relativa do ar superior a 60% e em dias nublados, quando a cultura estiver fazendo sombra ou no final da tarde;
- esperar de 14 a 21 dias para a aplicação do fungo quando mais de 50% das ninfas ainda forem pequenas, mas se há predominância de ninfas grandes, pulverizar entre 0 e 10 dias;
- ter cuidado com o armazenamento e o transporte desse fungo, sem exposição ao sol e sem ficar muito tempo em ambientes muito quentes;
- não deixar a calda do bioproduto preparada por mais de 4 horas sem aplicar;
- grande parte das misturas são possíveis, mas um especialista precisa ser consultado antes de se fazer alguma associação desconhecida.
É importante também se conhecer algumas características do fungo:
- Metarhizium é eficaz em baixas populações das cigarrinhas-das-raízes, mas é melhor ainda nas altas infestações. Vale lembrar que o fungo causa uma doença na cigarrinha e, como toda doença, ela se propaga e mata mais onde há altas populações;
- o residual desse fungo varia de 90 a 120 dias, sendo o menor valor para os dias muito quentes (LANZA; MONTEIRO; MALHEIROS, 2009; BORGES et al., 2011);
- ele não precisa ser perfeitamente distribuído sobre as plantas e o solo, como é necessário para os produtos químicos.
As formulações modernas do fungo aumentaram o êxito do seu uso, nas mais variadas condições climatológicas, que antes eram extremamente limitantes. No passado, esse fungo só podia ser aplicado à noite e em dias de chuva, mas hoje é possível realizar sua aplicação em dias nublados ou com a cultura proporcionando alguma sombra no solo.
Dentre os fatores que afetam a eficácia do fungo Metarhizium anisopliae no controle de diversas pragas está a dose utilizada (ou como é usual, concentração de conídios viáveis). É extremamente importante se conhecer a concentração de conídios que há disponível no produto comercial a ser adquirido e os inertes que compõem a formulação.
Em condições muito adequadas, são necessários pouquíssimos conídios sobre um inseto para que eles germinem e penetrem seu tegumento e para que o fungo se desenvolva e mate a praga. Por serem usados em ambientes bastante adversos, as doses recomendadas pelos técnicos são superiores às que realmente são necessárias, pois Bugti et al. (2018) concluíram que, em campo, a dose de 10.000 conídios por centímetro quadrado é suficiente para matar a totalidade da população de algumas espécies de insetos.
Nas formulações modernas dos bioprodutos das empresas idôneas existem muitos inertes que melhoram a ação do fungo, como protetor solar, dispersante etc., diminuindo a necessidade de grandes concentrações de conídios. Aliado às formulações cada vez mais tecnológicas, no futuro, com o avanço das tecnologias, será possível a aplicação de doses muito menores, atingindo-se mais precisamente os alvos.
Hoje, para o controle das cigarrinhas-das-raízes, uma área superior a um milhão de hectares de cana-de-açúcar utiliza inseticidas químicos à base de etiprole, imidacloprido ou tiametoxam na menor dose de bula (ou até menos, quando possível) junto com 60-100% da dose recomendada de Metarhizium anisopliae. Essa associação aumenta o residual dos inseticidas, que muitas vezes têm falhado no controle de infestações superiores a 5 ninfas por metro linear. Essa estratégia foi demonstrada por Barbosa et al. (2011) e é indicada em vários textos técnicos (PINTO, 2019; PINTO; TRUJILLO, 2019).
A dose recomendada pela Ciência para o controle das cigarrinhas-das-raízes varia entre 9×1011 e 5×1012 conídios viáveis por hectare (DINARDO-MIRANDA et al., 2004; ALVES; NEVES; FARIA, 2010; PINTO et al., 2011).
Quando se realiza a aplicação de 2×1012 conídios viáveis de Metarhizium anisopliae por hectare, são aplicados 20.000 conídios por centímetro quadrado no canavial. Uma cigarrinha bem desenvolvida tem 1,3 cm de comprimento e ocupa uma área entre 0,50 e 0,91 cm2 no solo e em uma aplicação da dose citada coloca-se cerca de 10.000 a 18.200 conídios viáveis sobre cada cigarrinha. Se o jato for direcionado para a base da planta, essa quantidade sobre a ninfa é ainda muito maior. Portanto, há uma margem de confiança para as grandes doses aplicadas na atualidade.
Dinardo-Miranda et al. (2004) testaram os isolados CB348 e BC249 na concentração de 9×1011 conídios viáveis por hectare. Alves, Neves e Faria (2010) comentaram sobre os isolados IBCB-10, IBCB-348, IBCB-425 e ESALQ-1037, mas teceram considerações gerais sobre todos, em doses superiores 5×1012 conídios viáveis por hectare. Pinto et al. (2011) usaram o isolado IBCB425 e concluíram que a melhor concentração de conídios foi 4×1012 conídios viáveis por hectare para o controle das cigarrinhas-das-raízes em cana-de-açúcar (Tabela 1).
Cada empresa tem uma formulação e, portanto, uma concentração de conídios específica. A maioria das empresas com o registro de seus produtos à base de Metarhizium anisopliae apresenta o mínimo necessário de conídios viáveis por hectare na dose comercial que recomendam.
Como observado por Dinardo-Miranda et al. (2004) e Loureiro et al. (2012), nem sempre uma única aplicação do fungo é suficiente para o sucesso do controle da cigarrinha. Com o passar dos anos de uso e o aumento do inóculo, vai ficando mais fácil utilizar somente Metarhizium anisopliae no controle das cigarrinhas.
Portanto, as doses ao redor de 1×1012 conídios viáveis por hectare, que para a maioria das empresas são conseguidas com 0,5 a 1,0 Kg do bioproduto comercial, são adequadas para o controle das cigarrinhas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, L.F.A.; NEVES, P.; FARIA, M.R. de. Recomendações para utilização de fungos entomopatogênicos no controle de pragas. Piracicaba: CP2, 2010. 52p.
BARBOSA, H. et al. Associação de Metarhizium anisopliae (Hyp.: Clavicipitaceae) e thiamethoxam para o controle da cigarrinha-das-raízes em cana-de-açúcar. Ensaios e Ciência: Ciências Biológicas, Agrárias e da Saúde, v.15, n.5, p.41-51, 2011.
BORGES, L.R. et al. Persistência no solo de inóculo de Beauveria bassiana empregado para o controle de Hedypathes betulinus em plantio de Ilex paraguariensis. Floresta, [S.l.], v.41, n.1, 2011.
BUGTI, G.A.; BIN, W.; NA, C.; FENG, L.H. Pathogenicity of Beauveria bassiana strain 202 against sap-sucking insect pests. Plant Protect. Sci., v.54, p.111-117, 2018.
DINARDO-MIRANDA, L.L. et al. Eficiência de Metarhizium anisopliae (Metsch.) no controle de Mahanarva fimbriolata (Stål) (Hemiptera: Cercopidae) em cana-de-açúcar. Neotropical Entomology, v.33, n.6, p.743-749, 2004.
LANZA, L.M.; MONTEIRO, A.C.; MALHEIROS, E.B. Sensibilidade de Metarhizium anisopliae à temperatura e umidade em três tipos de solos. Ciência Rural, v.39, n.1, p.6-12, 2009.
LOUREIRO, E.S. et al. Eficiência de isolados de Metarhizium anisopliae (Metsch.) Sorok. no controle da cigarrinha-da-raiz da cana-de-açúcar, Mahanarva fimbriolata (stal, 1854) (Hemiptera: Cercopidae), em condições de campo. Arquivos do Instituto Biológico, v.79, n.1, p.47-53, 2012.
PINTO, A. de S. Sucesso do controle biológico de pragas da cana-de-açúcar. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.40, n.305, p.57-65, 2019.
PINTO, A. de S. et al. Eficiência do fungo Metarhizium anisopliae WP no controle da cigarrinha-das-raízes, Mahanarva fimbriolata, em cana-de-açúcar em São Paulo. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE PRAGAS DE SOLO, 12., Piracicaba, 2011. Resumo expandido… Piracicaba: Fealq, 2011.
PINTO, A. de S.; TRUJILLO, S.E.L. Sugarcane, Cap.33, p.413-425. In: SOUZA, B.; VAZQUEZ, L.L.; MARUCCI, R.C. (Eds.). Natural enemies of insect pest in neotropical agroecosystems: biological control and functional biodiversity. Switzerland, SW: Springer, 2019. 546p.